domingo, 24 de maio de 2015

LAMAÇAL
Seh M. Pereira
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- acorda..! faz duas noites seguidas que sonho contigo. como pode..?

- foi erótico ou comportado..?

- menos, né. bem menos..! atira em outra..

- então, eu não quero saber.
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- acorda!.. só se fosse erótico?

- não é isso. é que sempre que você sonha comportado comigo, eu morro no final. tenho trauma de quem sonha comportado comigo.

- sonhei que você tinha ganhado uma bicicleta.

- uma bicicleta?

- verde. uma bicicleta verde. e tinha ficado muito feliz..!

- tá. e o outro?

- o outro..? não lembro.

- não lembra, ou não quer contar?

- não lembro. atira em outra..

- eu morri no final, né..?

- já te disse que não lembro. e atira em outra.

- atira em outra?

- é. atira em outra, que eu já estou baleada..!
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- um fusca no lamaçal. com os quatro pneus arriados..!

- mas, você não morreu...!

- um fusca no lamaçal. eu empurrando, e você me dizendo:

-  deixa isso pra lá.

eu tentando desatolar a caranga, e você nada. até que eu consegui, né. daí fui empurrando com mais força. com mais força, até ele pegar velocidade. olha só: com os quatro pneus arriados..! fui empurrando. empurrando. até que pegou velocidade. abri a porta do motorista, e comecei a tentar dar um tranco..

- mas você não morreu.

- eu estava tão entretido, em tentar fazer a caranga pegar que nem percebi que tinha um barranco na frente.

- mas você não morreu..!

- não morri porque você acordou gritando. eu tenho trauma de quem sonha comportado comigo, já te falei.

- olha só..! eu acordo preocupada contigo, e é isso que recebo. né..?

- é quebrar a casca do ovo, e nascer gorado.

- você fala cada coisa..
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- não. esta fala não é minha. é um provérbio do japonês..! que a vida é, sei lá, quebrar a casca do ovo e nascer gorado.

- não é um provérbio do japonês.

- é sim..

- não é um provérbio do japonês. é um provérbio japonês..

- não. não. não. é  um provérbio do japonês. esse provérbio é daquele japonês da granja: que a vida é quebrar a casca do ovo e nascer gorado.

- e o que quer dizer isto..?

- quer dizer que eu só queria tirar um cochilo, mas você não quer deixar..
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- acorda..! é isso que eu ganho, né? e eu aqui preocupada contigo.

- sonhar que eu morro é até uma coisa, pra você, comum. mas a prestação? a prestação é a primeira vez.

- já te disse que você ganhou um bicicleta, e ficou muito feliz..!

- verde. uma bicicleta verde. e o outro sonho você não lembra. não lembra ou não que falar, né..! podia me dizer que acordou mais reluzente, né..! que eu dei um tapa na sua pele, né..! mas não, é só tragédia.
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- acorda..! fala alguma coisa engraçada, para eu esquecer..

- a essa hora..?

- é..

- e tem que ser engraçado ainda..?

- é bom, pra eu esquecer.

- tá bom, então. segura a sua bronca aí, que eu vou lá vestir a roupa do patati patatá, e já volto. não sai daí..

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segunda-feira, 18 de maio de 2015

RATO DE MOCORÓ
Seh M. Pereira
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É preciso ter sorte, até para tomar café da manhã. Senão o pão cai; e com a manteiga virada para baixo.
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Sabe quando tudo dá errado?
Sabe quando você acorda e senti um troço estranho, mas não sabe bem o que é?

Tomei uma ducha, escovei os dentes e fui pra rua.
Quando chego no quintal. Adivinha só?
E o carro?
Roubaram a minha caranga..

Comecei a rezar.

Me deu um desespero, que contando você não acredita.
Abri o portão, daquele jeito, e quando penso que não, minha caranga lá no final da rua.

Saí correndo feito um doido.
Abri a porta do carro e tudo normal.

Corri em casa, peguei a chave e voltei no outro pé. Para guardar o possante.

Coloquei a chave no contato e nada do carro ligar.
E não é aquela coisa do vrum vrum puf.
Não ligava mesmo..!

Abri a capota e você não vai acreditar. O ladrão roubou a minha bateria.
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No racha, conheci todo tipo de bandido. Traficante, ladrão, todo tipo.
E pra mim, isto até que foi bom.
Perdi o número do tanto de vezes, que cheguei tarde da noite em casa e ninguém nunca mexeu comigo.
Também nunca mexeram com a minha mulher, nem com as minhas filhas.

Ó, sempre fumei meu cigarrinho. Tomei meu negocinho, mas nunca me misturei.
Saía com o time, disputava campeonato e tudo.
Só tinha gente fina.
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- Mexeram na minha caranga.
- Como é, queridão?
- Mexeram na minha caranga.
- Ahn?
- O ladrão abriu o meu portão. Roubou a minha bateria e desovou o possante no final da minha rua.
- Ahn?
- Quer dizer que a bateria valia mais do que o carro? Nunca me senti tão humilhado!
- Segura na confiança, queridão.
- O pessoal me ajudando a empurrar o carro e dando risada da situação.
- Queridão, segura na confiança.
- Tenho, até, a nota fiscal.
- Segura na confiança.
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Algo me dizia, que o racha tinha visto a minha bateria.
Sabe quando você fica com aquilo na cabeça?

Cheguei em casa e o único que parecia estar feliz em me ver, era o Tranquilidade.
Isto porque todos queriam que eu cortasse o rabo dele..!

Mal cheguei, e ouvi batendo no portão.

Olhei pela janela.

Era os gente fina do campinho. Tudo armado com pedaço de caibro.
E ao centro, um infeliz segurando uma bateria.

Uma perna travou e a outra tremia.

Quando apareci no quintal, começaram a comemorar.
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- Queridão, achei sua bateria.

Abri o portão e já foram logo entrando: - Coloca no possante. Vê se é.
Eu bati o olho e já sabia que era.
Quando fui fazer a instalação, fiz as marcações.
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- Não sei se é.
- Dá uma olha e vê se é.
- Não sei se é.
- Pega a nota fiscal. Você não disse que tem a nota fiscal? Vê se a numeração bate.

Entrei em casa rezando.
Rezei tanto que descobri o quanto eu era religioso e não sabia.
Peguei a nota fiscal no bolso da calça.
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- Vê se bate a numeração.
-  Bater, bati. Mas não sei se é.
- Criando Rato de Mocoró, queridão. Rato de Mocoró não se cria. É ou não é?

Se eu continuasse negando, o time vinha para cima de mim.
Eu hein!
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- Acho que é.
- Toma. Coloca a bateria na caranga. Vê se liga.

Abri a capota.
Coloquei a bateria no lugar e fui para dentro do carro.
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- Quer que eu ligo pra você?

Eu tremia tanto, que quando encostei a chave no contato
o carro ligou.

Começaram a comemorar.
O pão do infeliz caiu com a manteiga virada pra baixo, você acredita..?
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- Queridão, agora abre o portão. Que a gente vai dar uma volta. Entra todo mundo na caranga!
- No meu carro?
- Coração de mãe.
- Não cabe!
- Segura na confiança. Todo mundo. Entra.

Abri o portãozão e os três sentados no banco da frente me guiando.
Entra ali, vira aqui.
Segue reto.
Vira aqui.
Vira ali.
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- Para aqui, queridão.

Desceram.
Pediram que o infeliz se ajoelhasse e me entregaram o caibro para que eu desse o pontapé inicial.

O sujeito em posição de misericórdia.

Imagine você.
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- Podem fazer o que quiser comigo. Mas eu não consigo.
- Homem do coração bom, viu!

Tomaram a madeira da minha mão. E o resto deixo por sua conta.
Só sei que depois daquele dia, ainda não consegui dormi.
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